INSEGURANÇA IRANIANA: ORIGEM E PERSPECTIVAS


Francine Rossone Silva1



Resumo

O Irã está localizado em uma região altamente militarizada do terceiro mundo, além de contar com a segunda maior reserva de petróleo do mundo e com significativa reserva de gás natural. É amplamente difundido que a importância geoestratégica e econômica do Irã somada às assimetrias existentes entre suas forças militares convencionais e as forças militares de outros Estados vizinhos, assim como das potências globais interessadas na região, tornam o Estado profundamente inseguro, justificando, portanto, a vulnerabilidade do país.

A recente declaração do presidente Ahmadinejad de que o Irã tem o direito inalienável como um país soberano de ter tecnologia nuclear como já possuem seus vizinhos - Israel, Índia e Paquistão - é interpretada como uma tentativa iraniana de busca por poder e por proeminência na região e, principalmente, como forma de proteção das fronteiras em relação a ameaças externas regionais e globais.

A presente pesquisa buscará oferecer uma visão alternativa, inserindo o Irã no arcabouço teórico de Mohammed Ayood, que defende que a insegurança do terceiro mundo emana principalmente de dentro de suas fronteiras. Segundo o autor, a vulnerabilidade de países em desenvolvimento é um reflexo do estágio de consolidação do Estado em que se encontram e da entrada tardia no sistema internacional vestfaliano.
A hipótese que será testada com o presente trabalho é a de que o interesse iraniano no desenvolvimento nuclear gira em torno de sua autopercepção como Estado inseguro e da necessidade de neutralizar as pressões externas para uma consolidação efetiva de suas estruturas internas. Enfim, buscam-se com esta pesquisa as fontes da insegurança iraniana para então analisar se a não-intervenção estrangeira é suficiente para sobrevivência do regime.



Palavras-chaves

Segurança Internacional - Terceiro Mundo - Mohammed Ayoob - Regime Iraniano -Programa Nuclear


Abstract

Iran is located in a highly militarized region of the third world, it has the second largest oil reserves of the planet and also significant reserves of natural gas. Its geostrategic importance in addition to the economic asymmetries between its conventional military forces and the military forces of other neighboring states and global powers interests in the region would make Iran deeply insecure and become a major reason to the country's vulnerability. The recent statement made by President Ahmadinejad that Iran has the inalienable right as a sovereign country to have nuclear technology as its neighbors Israel, India and Pakistan already have, has been interpreted as an Iranian attempt to seek power and prominence in the region and especially to protect its borders from external regional and global threats.

This paper offers an alternative view, inserting Iran at the theoretical background of Mohammed Ayood, who argues that the uncertainty of the third world emanates mainly from within its borders as reflecting the stage of states' consolidation and the late arrival in the modern international system of states. The hypothesis that will be tested with this work is that the Iranian interest in the nuclear development involves its self-perception as an unsafe country and the need to neutralize the external pressure for an effective consolidation of their internal structures. The research intended to look for the sources of Iranian insecurity and analyze whether the non-foreign intervention would be enough to guarantee the current Iranian regime survival.

Keywords

International Security - Third World - Mohammed Ayoob - Iranian Regime - Nuclear Programme




1Francine Rossone da Silva é graduanda em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).




Introdução

O Irã possui a segunda maior reserva mundial de petróleo e cerca de 15% da reserva de gás natural global, o que o torna um país de imensa importância estratégica e econômica no sistema internacional. Além disso, o Irã está localizado em uma das regiões mais militarizadas do terceiro mundo, que é também considerada uma das mais importantes para a segurança energética e para a economia mundial - uma combinação, que somada à volatilidade política iraniana, transformou a região em um palco de intervenções e disputas (Entessar, 2004, p.537).

Em 29 de janeiro de 2002, George W.Bush incluiu o Irã no "eixo do mal", juntamente com a Coréia do Norte e o Iraque, sob o pretexto de que estes países possuiriam um programa nuclear, o qual representaria uma ameaça à paz mundial. Levando em consideração a reação norte-americana nos casos da Coréia do Norte e do Iraque e a supracitada importância iraniana para o cenário regional e internacional, questiona-se de que forma o Irã é realmente um risco para a comunidade internacional e até que ponto o país pode estar ameaçado por pressões externas. A resposta para tais questões envolve em grande parte os motivos que levam o Irã a seguir com seu programa nuclear, contrariando normas internacionais e enfrentando as ameaças das super potências.

No Irã, o regime islâmico é caracterizado pela divisão de poder entre um líder não eleito e um poder eleito desde a Revolução Iraniana de 1979. Apesar de apresentar uma população amplamente alfabetizada inserida em um cenário relativamente democrático, se comparado aos outros regimes do Oriente Médio, o Irã, como um país do terceiro mundo, ainda carece de solidez institucional e estabilidade política.

A presente pesquisa buscará inserir o Irã no arcabouço teórico de Mohammed Ayood, conhecido por seus estudos sobre conflitos, segurança e terceiro mundo. Segundo o autor, a insegurança do terceiro mundo emana principalmente de dentro de suas fronteiras (1995, p. 7) e reflete o estágio de consolidação do Estado em que se encontra e a entrada tardia no sistema internacional de Estados modernos.

A insegurança dos Estados do terceiro mundo estaria relacionada à instabilidade do regime político e à falta de solidez das instituições estatais. A hipótese que será testada é a de que o interesse iraniano no desenvolvimento nuclear gira em torno de sua autopercepção como Estado inseguro e da necessidade de neutralizar as pressões externas que, ao longo da história do país, interromperam seu processo de consolidação - fator este chave para a construção de um Estado forte e seguro.

Na primeira seção do artigo, será definido o conceito de segurança considerado para a análise de caso. Em seguida, o Irã é apresentado como um país do terceiro mundo, com suas particularidades e similaridades em relação aos outros Estados também em desenvolvimento, levando em consideração a caracterização de terceiro mundo fornecida por Ayoob.

Discorre-se então sobre as alternativas apresentadas ao Irã para lidar com suas vulnerabilidades internas e externas e sobre como o país responde às instabilidades. Na quarta parte, serão analisadas as perspectivas de consolidação e democratização do Estado iraniano. Finalmente, conclui-se com respostas às perguntas que motivaram a pesquisa.


Marco teórico

O conceito de segurança internacional, ao longo do tempo, ganhou grande flexibilidade interpretativa, o que permitiu tanto um maior escopo de análise como também o surgimento de controvérsias quanto ao objeto de estudo, além de disparidades entre discurso e ação política. Se o debate inicial acerca da segurança internacional restringia-se ao fenômeno da guerra e às ameaças militares e de origem externa ao Estado, hoje, temas como a pobreza, a destruição do meio ambiente e a violência, entre outros, foram incluídos por alguns autores na agenda de segurança. A justificativa destes teóricos para ampliação do conceito de segurança internacional é o fato destes temas também constituírem graves ameaças à sobrevivência, portanto fundamentais para o desenvolvimento dessa área de estudo. Atualmente, segurança internacional pode envolver a segurança do Estado, da sociedade e até mesmo do indivíduo.

Da mesma forma que se começou a questionar o objeto de estudo de segurança, também surgiram questões acerca do objeto que deveria ser assegurado, dos limites da análise e da relevância das ameaças. Em função do debate epistemológico e metodológico a propósito do conceito de segurança e da conseqüente amplitude conceitual, é necessário para a defesa argumentativa do presente artigo uma definição prévia do conceito de segurança empregado.

Ayoob e a Segurança Internacional para o terceiro mundo

O artigo apresenta como base teórica o conceito de segurança desenvolvido pelo acadêmico Mohammed Ayoob, cuja especialidade é os estudos de segurança e conflito, em especial vinculados à política do terceiro mundo. Ayoob defende que o conceito tradicional de segurança não é adequado à análise política dos países mais pobres, já que esses são afetados por ameaças de natureza distinta daquelas que ganham espaço na agenda dos países desenvolvidos. A segurança tradicionalmente estudada pela literatura de relações internacionais tem como suposições básicas: a orientação externa das ameaças e o caráter militar. Isto é, assume-se que as ameaças originam-se fora do Estado e, por serem essencialmente militares, requerem respostas militares. A segurança dos Estados, segundo tais correntes, define-se então pela capacidade que eles possuem de deter ataques ou de derrotá-los, protegendo valores internos de ameaças externas, ou seja, advindas de um outro Estado (Ayoob, 1995, p.5-7).

Essa noção tradicional de Estado se fortaleceu em 1945 com o fim da II Guerra Mundial e o início da Guerra Fria (idem). Os estudos sistêmicos nesse período foram altamente priorizados e a divisão antagônica de mundo entre dois superpoderes reforçava o discurso de que as ameaças eram externas, incentivando a coesão interna e a formação de alianças contra o inimigo.

Para o terceiro mundo, a segurança sistêmica neste período apenas aumentou sua insegurança. Enquanto os países desenvolvidos se envolviam em corrida armamentista e dissuasão nuclear, garantindo, segundo o entendimento do mainstream, uma relativa estabilidade internacional, Ayoob afirma que o terceiro mundo se sentia cada vez mais inseguro e vulnerável por ter se tornado uma arena das rivalidades das grandes potências (2000:5).

Ayoob toma o Estado como sua unidade de análise e restringe seu estudo às ameaças diretamente ligadas às estruturas dessa instituição, ou seja, à sobrevivência e efetividade de Estados e de regimes (idem, p.11). No entanto, ao contrário do mainstream, o autor entende que a insegurança dos Estados do terceiro mundo emana principalmente de dentro de suas fronteiras e vai além de ameaças militares, englobando outros fatores que também influenciam os desenvolvimentos políticos (idem, p.7).

Algumas características básicas do terceiro mundo, segundo Ayoob, são a falta de coesão interna (em função da disparidade econômica e social e das rivalidades étnicas e regionais); a falta de legitimidade incondicional das fronteiras dos Estados, das instituições Estatais e das elites governantes; a suscetibilidade a conflitos internos e externos; o desenvolvimento distorcido e dependente; e, por fim, a marginalização e a fácil penetração de atores externos (idem, p.15).

Essas características refletem a ausência de governança adequada, que submete os Estados do terceiro mundo a uma situação de fragilidade e de insegurança. Estes países não estão expostos apenas a intervenções externas, como também a uma desordem interna generalizada que ameaça o poder de influência das elites e do próprio regime. São duas fontes de ameaça que se retro-alimentam. A instabilidade externa torna o Estado vulnerável a pressões externas, que por sua vez acaba por minar a capacidade deste se consolidar.

Nesse contexto, é comum que países do terceiro mundo anseiem por poder. No entanto, diferente do que as principais correntes teóricas de segurança internacional presumem, o acúmulo de poder não seria o fim último, mas um instrumento capaz de facilitar o estabelecimento das estruturas estatais, o aumento do poder de barganha perante atores externos, a diminuição da vulnerabilidade e, conseqüentemente, a conquista de maior segurança. Para as lideranças nesses Estados, o importante é garantir a soberania e a integridade territorial, a manutenção das instituições políticas e do regime de governo. Nesse sentido, os líderes conseguiriam contornar constantemente as questões de ordem política e econômica e de legitimidade.

Apesar da diversidade do terceiro mundo, é possível identificar realidades comuns à maior parte desses países (Ayoob, 1995, p.13) e algumas questões que são consensualmente entendidas como definidoras do terceiro mundo, por exemplo, o aspecto da insegurança. Além dos fatores supracitados, Ayoob aponta outros elementos fundamentais para a compreensão da natureza dos problemas que assolam estes países, como o estágio de construção do Estado e a entrada tardia no sistema internacional.

Entrada tardia no sistema e construção do Estado

As características que Ayoob atribui aos Estados do terceiro mundo derivam de seu estágio de consolidação como um Estado Nacional moderno. A falta de legitimidade dos governantes, das instituições e do arcabouço jurídico e político, além de ausência de coesão interna e presença de violência e repressão, constituem o processo de estabelecimento e de fortalecimento das estruturas estatais, segundo aqueles que vêem uma relação positiva entre guerras e construção do Estado. Neste processo de consolidação do Estado, tais autores também afirmam que a acumulação de poder é o primeiro passo em direção a formação de um Estado Nacional (idem, p.22-23).

Os Estados que hoje podem ser considerados desenvolvidos e consolidados tiveram séculos para se formar como Estados Nacionais legítimos, incluindo o desenvolvimento de instituições fortes e o estabelecimento de regras. Já os Estados do terceiro mundo são pressionados a consolidar-se rapidamente, além de estarem inseridos em um ambiente completamente diferente daquele onde os primeiros Estados Nacionais se constituíram (idem, p.32).

O mundo contemporâneo apresenta sérios desafios aos Estados em vias de consolidar-se devido ao arcabouço jurídico internacional, à disseminação de valores democráticos e de princípios de Direitos Humanos - que se sobrepõem àqueles princípios vestfalianos que esteve na origem da formação dos Estados modernos - e à institucionalização de determinadas regras que repreendem as guerras, a violência e o autoritarismo.

A não consolidação dos Estados do terceiro mundo e a pressão externa contemporânea por um rápido processo de construção e consolidação desses Estados, somada à inserção em um sistema internacional defensor dos Direitos Humanos e repleto de restrições, limita a capacidade destes países de passarem por um processo semelhante ao dos Estados desenvolvidos.

A dimensão interna de segurança, ligada a este processo de constituição do Estado, é, segundo Ayoob, a principal variável na determinação da problemática de segurança do terceiro mundo (1995, p.21). Os fatores que bloqueiam o sucesso dos Estados de se desenvolverem e de se consolidarem são:

"a falta de tempo adequado para a construção do Estado; a impossibilidade de flexibilizar a soberania jurídica uma vez que ela é conquistada; a herança colonial; a acentuação de fissuras étnicas nos primeiros estágios de modernização; demandas por participação política, redistribuição econômica e justiça social no processo inicial de construção do Estado e; o caráter não representativo e autoritário de muitos regimes" (idem, p.41).


Irã - país do Terceiro Mundo

O Irã, como um país do terceiro mundo, apresenta a maioria das características descritas na primeira seção. Apesar de se tratar de uma das civilizações contínuas mais antigas da humanidade, as tentativas iranianas de inserção no sistema internacional de Estados modernos como um importante ator foram minadas por intervenções externas e, principalmente, por instabilidade política e falta legitimidade interna.

O processo de consolidação do Estado iraniano segue seu próprio ritmo e, como vimos com Ayoob, os Estados necessitam de tempo e não de intervenção para organizar as próprias estruturas e estabelecer legitimidade perante a população interna e aos outros Estados.
Ao longo do último século, uma série de eventos marcou o país: duas revoluções, o fim de duas dinastias, exílio de vários reis, alguns períodos de mobilização popular, tentativas de inflamar a democracia parlamentar, duas rodadas de sanções internacionais e ocupações estrangeiras sem colonização. Isto tudo, segundo Farhi (2005, p.9), fizeram da democracia e da soberania nacional fortes aspirações nas mentes iranianas.

A Revolução de 1979 foi uma das respostas mais claras a essa condição subalterna no sistema internacional. Tal movimento foi lançado com a promessa de transformar relações de poder dentro do Irã e de lutar por uma nova era da política internacional, em que os poderes médios seriam capazes de questionar a hegemonia das potências e de perseguir uma política externa independente (Entessar, 2004, p.537).

A soberania iraniana e a legitimidade incondicional de suas fronteiras estatais - apesar de bem definidas - são enfraquecidas pela hostilidade crescente que o país enfrenta na região e no sistema internacional. Além disso, as instituições estatais e a elite governante carecem de legitimidade. As instituições, por exemplo, tiveram vida relativamente curta até agora e as regras do jogo político não puderam ser definidas claramente de modo permanente, legítimo e com o respaldo da sociedade. Se considerarmos a definição de Sayed Shafaee, isto pode ser interpretado como ausência de soberania estatal:

"Soberania é definida como autoridade que não encontra oposição sobre um grupo particular de pessoas dentro de um determinado território com fronteiras políticas e geográficas específicas. Para a criação de um sistema de governo soberano, o exercício de poder se torna aceitável quando o povo dá legitimidade ao governo. No caso de legitimidade existente, a imposição do poder é interpretada como autoridade do sistema de governo. No entanto, onde a legitimidade é ausente, o exercício de poder sobre o povo se dá pelo uso da força. Qualquer sistema de governo que é confrontado com uma crise de legitimidade se torna muito vulnerável. Tal regime acaba recorrendo a táticas brutais, como repressão da sociedade, imposição de censura ou acaba por sacrificar objetivos econômicos e não-políticos para conter as demandas políticas do povo. Para o regime que está passando por uma crise de legitimidade e também está sobrecarregado com várias deficiências que estão nas origens da crise, recorrer a essas táticas podem ser problemáticas ao longo prazo". (tradução nossa) (2003, p.109).

A primeira Constituição data de 1906, mas a suscetibilidade a conflitos internos e externos e à penetração de atores estrangeiros no país foi uma constante; os iranianos lutam contra dominação ocidental há mais de um século, (Tarock, 2003, p.133). Sendo o país dividido por correntes políticas fortes e distintas - conservadores e reformistas - e por poderes eleitos e não eleitos, a governança do Estado é sempre questionada e enfraquecida por contornos da oposição (idem). A falta de coesão interna é percebida em especial em relação à ideologia, às instituições e às personalidades no poder (Hassan-Yari; Kamrava, 2004, p.495).

Se sob a autoridade monárquica do Xá, a política iraniana era ineficiente pela centralização do poder em torno da pessoa do monarca, por seus caprichos e pela dominação exercida por ele, a República que surge em 1979 é ineficiente por apresentar vários centros de poder, devido ao arranjo político que acomoda procedimentos democráticos e o princípio de Velayat-e faqih (regras jurídicas islâmicas para Khomeini), que resulta na competição dos poderes religioso e presidencial pela proeminência nas decisões (Wollacott, 2007, p.200). A inconsistência interna reflete também na falta de coerência em política externa. Posições em relação aos EUA, ao programa nuclear iraniano e à abertura democrática sofreram variações de acordo com o pensamento de quem estava no poder e com os resultados dos embates internos entre os poderes e desses com a sociedade.

Os tradicionalistas clamam por um governo islâmico, que implemente as leis islâmicas e derive sua legitimidade de Deus. Os reformistas, incluindo alguns líderes políticos e vozes críticas do estabelecimento eclesiástico, enfatizam a vontade do povo. Para estes últimos, se a religião se envolve com política, não é porque Deus quis, mas porque as pessoas quiseram e legitimaram esta relação por meio do livre arbítrio (Tarock, 2003, p.135).

Khatami, eleito em 1997, tendeu a assumir uma postura relativamente mais aberta e reformista. No entanto em função dos poucos resultados conquistados pelo movimento reformista, dos eventos internacionais do início do século XXI - endurecimento da posição norte-americana em relação ao Oriente Médio e as invasões do Afeganistão e do Iraque - e da instabilidade econômica e política iraniana, constatada nas denúncias de corrupção e no crescimento da desigualdade do país (Wollacott, 2007, p.203), os conservadores ganharam força e Ahmadinejad assumiu a presidência em 2005. Contudo, eleitores perceberam que os religiosos "linha dura" não admitem dividir o poder com outros grupos políticos e que, uma vez no poder e no controle de todos os meios coercitivos (exército, serviços de inteligência, judiciário, etc.) capazes de frustrar a reforma, a participação política popular impactará muito pouco a decisão de quem governa e como governa (Tarock, 2003, p. 134).

A vulnerabilidade do sistema islâmico iraniano, portanto, é em grande medida resultado da ausência de poder estatal efetivo, de estruturas políticas e jurídicas consolidadas e, principalmente, da possibilidade de que a falta de consenso político e de organização interna abra espaço para infiltração de forças externas.
Ainda há os fatores internacionais que aumentam a insegurança do Irã na região e no sistema internacional, como: a ocupação do Iraque pelos EUA, a presença dos Estados nucleares Índia, Paquistão e Israel ao seu redor e a inclusão do Irã no "eixo do mal" por George W. Bush) (Wollacott, 2007, p.199).

As ameaças externas ao Irã começaram a ganhar essa configuração com a Revolução Iraniana. Wollacott expõe que se, em 1953, o golpe que depôs Mossaddeq colocou os EUA como o outro maligno na vida iraniana, a Revolução Iraniana em 1979 transformou o Irã no outro maligno na imaginação norte-americana. Como alguns sugerem, "Uma grande revolução deve ser definida contra os grandes poderes" (idem: 208). A destituição da monarquia e o estabelecimento de uma república islâmica com um poder presidencial eleito e um poder teocrático não eleito vão de encontro aos interesses norte-americanos na região, que vêem o fortalecimento do Irã no Oriente Médio como uma afronta e uma ameaça à própria segurança nacional dos EUA. A Secretária de Estado, Condoleezza Rice, chegou a afirmar que os Estados Unidos não enfrentam ameaça nenhuma maior do que a do Irã, cuja política no Oriente médio é completamente diferente da que gostariam de ver (Amuzegar, 2006, p.91).

O islã, que por definição não deveria tornar-se propriedade de nenhum grupo, vem sendo distorcido para fins políticos de determinadas elites. É certo que tais elites e suas interpretações tendenciosas acerca do islã recebem críticas de uma sociedade iraniana letrada e cada vez mais bem informada, logo o fator religioso certamente foi e ainda é fundamental para a discussão do processo de formação do Estado Nacional iraniano, bem como o autoritarismo, a imposição de determinadas regras e a repressão dos dissidentes - religiosos ou não (idem: 202).

Dado o cenário, é possível perceber que o regime político iraniano luta pela sobrevivência diante de pressões provenientes do meio interno e externo. Ao mesmo tempo em que o Irã se mostra inseguro em relação à influência internacional, tal vulnerabilidade se deve em grande parte à falta de coesão e institucionalização internas e às pressões por maior democratização, que diminuem o grau de autonomia do país para a consolidação do Estado de forma original e emancipada.


Lidando com as vulnerabilidades

Nessa seção, serão apresentadas as reações iranianas às pressões internas e externas. Internamente, a vulnerabilidade do regime islâmico é agravada por protestos populares por democratização. Apesar do governo iraniano atual ser considerado portador de um regime aberto e relativamente democrático comparado aos demais regimes do Oriente Médio e àquele que o antecedeu, é ainda sensível aos movimentos contrários, busca combater a influência da mídia na sociedade - que afeta de maneira desastrosa a legitimidade do governo - e se esforça para impedir o uso da internet.

O autoritarismo sobre a mídia é mais palpável ou aplicável por incluir ameaça de natureza física a indivíduos declarados culpados por disseminação de desordem. Muitos jornalistas, escritores e filósofos foram perseguidos no país, inclusive, nos momentos de maior democratização. Com a internet, as tentativas de impedir o acesso dos iranianos à informação foram mal sucedidas, devido ao acesso aos sinais de satélite que alguns conseguem (Wollacott, 2007, 202-204).
Quando Mohammad Khatami assumiu a presidência, houve dois anos de relativa liberdade de imprensa e de informação. Inclusive, a própria disseminação de notícias, informações, pensamentos e idéias acabara por minar o próprio governo reformista, devido a uma série de evidências divulgadas de corrupção estatal e da desilusão da sociedade com a fraqueza do presidente em seguir com a abertura democrática.

O líder supremo Khamenei é tão linha-dura e sensível a críticas quanto fora Khomeini, mas com a diferença de que o primeiro é muito mais envolvido com a política e com os assuntos do presidente do que fora Khomeini. No entanto o Estado iraniano conta, hoje, com uma sociedade alfabetizada e politicamente ativa que se tornam barreiras aos anseios de acumulação de poder pelo Estado às suas custas. Assim, o consenso interno seria uma variável necessária a ser conquistada pelo Estado antes que planejasse acumular poder. De outra forma, o regime continua vulnerável aos movimentos populares. Como citado anteriormente, Ayoob considera essa demanda por justiça social uma característica contemporânea que é prejudicial aos anseios estatais de acumulação de poder, fortalecimento e de consolidação.

No Irã, como na maior parte dos países do terceiro mundo, a condução de sua política externa tem frequentemente refletido as inseguranças e as vulnerabilidades internas. Observa-se também que quanto maior a insegurança percebida pelo Estado, mais assertiva tende a ser a política e maior é a preocupação de convencer a sociedade de que uma política rigorosa é essencial para contrabalançar a fragilidade.

Em meados dos anos 90, ainda sob a presidência de Rafsanjani, os iranianos começaram a perceber o quanto a situação do país era crítica, tanto a respeito de seus conflitos internos quanto em relação à hostilidade alimentada entre Teerã e Washington. Neste momento, 153 deputados de 290 cadeiras no Parlamento (Majlis) assinaram uma carta que afirmava a urgência do reestabelecimento das relações com os EUA. O impulso inicial diante desse cenário foi uma proposta, por parte do presidente Rafsanjani, de um referendo sobre a restauração das relações com os EUA, que se mostrou no mínimo inviável. Primeiro porque a iniciativa do referendo partiu de um político influente altamente conservador; segundo pela intransigência de Khamenei acerca da aproximação com os Estados Unidos; e finalmente, por resistência do judiciário, que afirmou ser ilegal qualquer tentativa de restauração das relações com os EUA.

Desde a Revolução Islâmica até o governo do reformista Khatami, o diálogo com os EUA fora praticamente impensável. A chegada de Khatami à presidência sinalizou maior disposição para resolução dos conflitos de interesse entre os EUA e a República Islâmica diplomaticamente. Seu tom político reformista refletiu a força interna dos protestos por um regime mais democrático e aberto. Havia otimismo quanto à estabilidade do sistema internacional que lhe permitiu a postura mais moderada, por exemplo, o desejo de cooperar com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Por parte dos norte-americanos, Clinton surpreendeu a comunidade internacional, em 1999, quando afirmou que seria importante reconhecer o Irã, que devido a sua enorme importância estratégica, foi ao longo do tempo submetido a uma série de abusos por parte de diversas nações ocidentais. Mais inesperada ainda foi a declaração de Even Martin Indyk, responsável pela política de contenção, de que os EUA e a República Islâmica do Irã precisavam se entender como grandes nações - face a face e com base na igualdade e no respeito mútuo (Tarock, 2003, p.140-142). No entanto a oportunidade real para uma aproximação entre os países veio quando os EUA investiram contra o regime Talibã no Afeganistão, regime sunita muito crítico ao islamismo xiita iraniano. Porém o que os Estados Unidos não esperavam era que os iranianos se aproximassem do novo governo afegão, como também ignoravam os vínculos que os iranianos possuíam com a minoria xiita no país, as trocas econômicas e os laços culturais - grande parte da população fala pérsio.

A derrota do regime de Saddam Hussein no Iraque pelos Estados Unidos, segundo alguns analistas, teria sido uma vitória para os iranianos - país de maioria xiita, apesar disso nunca ter sido declarado publicamente por nenhum líder. Saddam Hussein suprimia a maioria xiita do país e a mantinha sob controle irrestrito de uma minoria sunita - que são hostis aos muçulmanos xiitas por considerarem-nos infiéis e acusá-los de apostasia. Uma vez o regime iraquiano derrotado, o Irã se livrou de uma ameaça na região, mas automaticamente ganhou outra: a presença norte-americana em mais um território vizinho. A partir de então, aumentaram as hostilidades entre os dois países.

Em 2005, com a ascensão do conservador Mahmoud Ahmadinejad à presidência, a desconfiança mútua passou a definir a relação entre o Irã e os Estados Unidos. A resposta dada pelo Irã à vulnerabilidade em que se encontrava foi principalmente seu programa nuclear. No dia 11 de abril 2006, Ahmadinejad declarou à comunidade internacional que prosseguiria com o enriquecimento de Urânio e que não se submeteria à AIEA. As investigações às quais o país foi submetido, depois de muita pressão e esforço diplomático internacional, revelaram que o Irã já havia começado algumas negociações clandestinas com o cientista A.Q.Khan, que denunciavam a aquisição de equipamento nuclear antes mesmo de 1987. Com isso, as investigações apontaram sérias suspeitas da real existência de pesquisa em armamentos nucleares (Amuzegar, 2004, p.93). É certo que Bush afirmou que a solução diplomática é a melhor opção para a resolução desse impasse, no entanto ressaltou que todas as outras, incluindo a militar, estão sobre a mesa (Dunn, 2007, p.20).

Como resposta à pressão internacional e, principalmente, à pressão norte-americana contra a aquisição de um programa nuclear pelo Irã, alega-se que possuir tecnologia nuclear é um direito inalienável do país, que não lhe deve ser negado - principalmente, quando não há justificativa em relação à não-resistência à nuclearização de países ao redor do Irã, também pertencentes ao terceiro mundo. É amplamente defendido que o desejo de entrar para o clube nuclear faz parte do esforço iraniano para neutralizar as ameaças regionais e internacionais e alcançar prestígio (Bahgat, 2006; Amuzegar, 2006). Wollacott defende que o Irã estaria buscando modernidade, igualdade e segurança. Esses autores partem de um paradigma sistêmico que conclui que o Irã interpreta a possibilidade de entrar para o clube nuclear como uma chance de conquistar o status de país desenvolvido, aumentar sua segurança econômica e militar. Com isso, o Irã seria capaz de manter seu petróleo protegido e de adquirir as armas que seus vizinhos Israel e Paquistão já possuem (2007, p.199).

No entanto, mais do que isso, o Irã busca a própria independência e autonomia. Como afirmou Khamenei, "Usar tecnologia nuclear é uma obrigação nacional e uma demanda pública; andar para trás seria o mesmo que perder a independência do Estado a um custo muito alto" (Amuzegar, 2006, p.97). Observando a posição mais contida dos EUA em relação às atividades da Coréia do Norte, conclui-se, por parte do Irã, que adquirir força nuclear serviria como elemento de dissuasão (Bahgat, 2006, p.129) e uma garantia da soberania do Estado.

É irônico que, em algum momento da história, o Irã tenha começado a desenvolver seus conhecimentos em material nuclear a partir de transferências norte-americanas, francesas e inglesas de tecnologia (WOLLACOTT, 2007: 198). Hoje, a assimetria da relação do Irã com Israel, que é capaz de destruir alvos iranianos sem sofrer qualquer conseqüência, pode ser resolvida com a existência de mísseis nucleares em território iraniano. Contra os norte-americanos, a posse de armas nucleares por parte do Irã manteria os EUA dissuadidos a atacá-los e, de maneira geral, o poder nuclear poderia melhorar as relações entre o Irã e os Estados árabes (WOLLACOTT, 2007: 199).

Partindo da concepção de segurança de Ayoob, que está diretamente relacionada à solidez do regime de poder de um país e à consolidação das estruturas estatais, o Irã estaria buscando por meio da capacidade nuclear se defender das interferências externas, que certamente causariam um impedimento ou até mesmo um retrocesso em seu processo de consolidação nacional. Dada a animosidade inerente às relações entre o regime iraniano e a comunidade internacional, a sobrevivência de tal regime está ameaçada. Sob essas condições, a prioridade do país seria então ganhar tempo para se desenvolver e se fortalecer internamente, de forma que a elite política se sinta segura interna e externamente.

Amuzegar (2006, p.98) lembra que a última vez em que o Irã começou uma guerra fora antes de 1850, para libertar Herat, e que sua última invasão a outro país aconteceu em 1738. Mesmo quando o regime Talibã desafiou o governo militarmente, a resposta da liderança religiosa iraniana foi moderada. Isso demonstra o caráter defensivo de seu programa nuclear e, em tese, pode ser entendido que o Irã não tende a ameaçar as fronteiras de seus vizinhos ou a soberania de qualquer outro país.


Consolidação democrática - perspectivas futuras

Uma das questões levantadas pela comunidade internacional e por alguns estudiosos que resistem o desenvolvimento iraniano de tecnologia nuclear é a de que um Irã nuclear fortaleceria a oligarquia teocrática e o senso de vulnerabilidade interna. Isto é, uma vez que o Irã dissuadisse a pressão internacional com a possibilidade de usar armamento nuclear, a liderança estaria livre para reprimir o povo e violar os Direitos Humanos sem risco de punição (Amuzegar, 2006, p.96).

A não obrigação com os Direitos Humanos e com a justiça social, conquistada por meio da aquisição de tecnologia nuclear pelo Irã (que por sua vez, neutralizaria as forças externas), tornaria, segundo os preceitos de Ayoob, o ambiente propício para a acumulação de poder pela elite política e a consolidação das estruturas estatais. Contudo, a sociedade iraniana é relativamente aberta comparada a outras do Oriente Médio: desfrutam da liberdade de imprensa, de voto e de direitos civis e políticos, que uma vez limitada, há protestos. A nuclearização do país pode impedir a comunidade internacional de lutar ativamente contra uma eventual repressão social dentro do país, porém, a República Islâmica Iraniana criou um espaço para a intelectualidade e a política que não pode ser ignorado.

A sociedade se modernizou e se democratizou até o ponto em que se afastou muito da sociedade tradicional (Wollacott, 2007, p.199). Antigamente, muitos iranianos iam estudar em Oxford, Harvard e Sorbonne. Hoje, o sistema educacional em expansão tem acolhido homens e mulheres que optam por se educar no próprio país. O regime iraniano sempre apresentou um bom número de pessoas treinadas tecnicamente e sábios clérigos. Como uma civilização muito antiga, houve continuidade, se não política, pelo menos de conhecimento e história.

No país, há muitos questionamentos acerca do regime político. Eshkevari é citado como aquele que tentou definir os limites do conhecimento religioso para provar que era falível e flexível. Para ele, na situação moderna, a preocupação islâmica com justiça leva à democracia (Wollacott, 2007, p.2002). Figuras como ele e Ebadi, por exemplo, nunca foram totalmente livres para se expressar, mas apesar de toda a repressão, suas idéias penetraram na cultura política islâmica. Hoje, existe uma percepção disseminada de que a religião e a repressão não combinam.

A democracia é defendida dentro do próprio sistema islâmico. Ayatollah Hussein Mousavi Tabrizi afirma que em diversos lugares no Corão existe a afirmação de que a vontade do povo deve ser implementada e que qualquer outro caminho seria ilegal e contra o islã, podendo levar o sistema à falência (Tarock, 2003, p.139). Os intelectuais iranianos começaram a enxergar distorções no islamismo, que são utilizadas como instrumentos de dominação interna.

As autoridades iranianas também têm enfrentado a ascensão das mulheres como importantes atores tanto na sociedade como um todo quanto na política em especial. Muitas mulheres protestam abertamente contra a primazia masculina (Wollacott, 2007: 201).

Um desafio à sociedade iraniana, que luta pela democratização do Estado, é assimilar o conceito de sociedade civil. Para isso, a população precisa respeitar as diferenças étnicas, culturais e os direitos civis dos outros. Farhi (2005, 15) afirma que essa é uma brecha que pode ser usada pelos antidemocráticos. A sociedade iraniana, de certa forma, encontra-se unida contra a repressão, seja esta proveniente do próprio governo ou do sistema internacional, mesmo que existam divisões entre aqueles que defendem um poder mais conservador e religioso e aqueles que enfatizam a democracia.

Considerando esses fatores internos, percebe-se que a neutralização das forças externas não torna o regime livre de obstáculos à consolidação de suas estruturas. Uma vez que a sobrevivência do regime está associada, principalmente, à estabilidade da elite governante no poder, resta a essa optar pela repressão da sociedade ou pela busca de consenso e aceitação do regime. Contudo, Ayoob (2006, p.148-152) prevê que sem a presença norte-americana na região e com a ausência de ameaças estrangeiras ao regime islâmico, o Irã se consolidará significativamente nas próximas décadas. Com 11% das reservas de petróleo mundiais, uma sofisticada infra-estrutura industrial e tecnológica e uma população quase totalmente alfabetizada, o Irã se colocará como um dos grandes poderes regionais. Nesse sentido, a posse de armas nucleares será importante para sua defesa em relação às intervenções externas.

A dissuasão causada pelas armas nucleares significará tempo e espaço para a construção iraniana. Seguindo um caminho distinto dos Estados que se consolidaram anteriormente, o regime iraniano terá de se abster do uso indiscriminado da força contra a própria sociedade se quiser se fortalecer e se manter. Com a autonomia necessária garantida, o desenvolvimento econômico do país e o sentimento de segurança em relação ao meio externo favorecerão a construção de um Irã marcado por estabilidade política, econômica e social, alcançada por meio do investimento contínuo na educação, na ciência e tecnologia e da exploração consciente de seus recursos naturais do país. O resultado então será a consolidação nacional e o apoio cada vez mais claro da sociedade a um regime mais aberto e transparente.


Conclusão

Depois de discorrer sobre a desordem interna do Irã e da relação dessa desordem com a política externa e o sentimento de vulnerabilidade, foi possível observar que a insegurança do Estado iraniano é em grande medida resultado de sua fraqueza institucional, mas que o isolamento das ameaças externas é uma condição necessária para o sucesso do processo de consolidação do Estado.

O Irã é um Estado de existência relativamente longa em relação ao restante do terceiro mundo, mas ainda não possui um arcabouço político e jurídico bem configurado e indissolúvel. Isto se deu, principalmente, em função das diversas intervenções externas que obrigou o Irã a reiniciar várias vezes a construção de seu arcabouço institucional e a redefinição de suas regras. Apesar de possuir a 2ª maior reserva mundial de petróleo e gás, é economicamente dependente desses recursos e instável devido às diversas sanções pelas quais foi submetido. Devido a sua importância geoestratégica e econômica, o Irã está cada vez mais visado na região e no sistema internacional. É inegável a relevância das ameaças externas para um país como o Irã, que não conseguirá se constituir como um Estado consolidado se continuar passível de intervenções.

Além dessas pressões externas, possui uma população alfabetizada e profundamente crítica acerca de qualquer política que a afete. Este fator é ainda intensificado pelo contato da sociedade iraniana com o restante do mundo através dos meios de comunicação.

O Irã, diferentemente de outros muitos Estados do terceiro mundo, nunca foi colônia de país algum, o que não significou emancipação e autonomia. Dentre os problemas apresentados por Ayoob à consolidação dos Estados do terceiro mundo, estão presentes, no Irã, as pressões externas por uma rápida consolidação, a demanda da sociedade por participação política, justiça social e econômica e a crítica ao regime que por ocasião ainda é autoritário, apesar de descentralizado.

Ao longo do artigo foi possível perceber que um Estado fraco e pouco institucionalizado abre espaço para dissidências internas, instabilidade política, questionamentos de todas as ordens, que por sua vez o tornam suscetível a influências externas, seja por meios militares ou culturais. Se a segurança é definida pela capacidade de sobrevivência de um regime, o Irã tende a se tornar cada vez mais inseguro.

As previsões otimistas feitas por Ayoob em relação ao futuro do Irã só se concretizarão se levarem em consideração a satisfação da sociedade. Presumindo que o desenvolvimento nuclear isolaria as pressões internacionais e deixaria o regime iraniano livre para acumular e centralizar o poder - o que seria uma das etapas de consolidação estatal - deve-se considerar a resistência da sociedade a esse regime de governo centralizador, típica do estágio primitivo de consolidação.

Como vimos, os caminhos apontam para a democratização, seja ela de dentro (por pressões da própria sociedade) ou de fora (por intervenções externas), independente de o Irã ter ou não armas nucleares. Se o Irã se tornar um Estado nuclear, uma tentativa de reprimir a sociedade não seria eficaz por muito tempo. Como argumentam Hassan-Yari e Kamrava, no Irã, já há uma institucionalização, no mínimo, de um processo regular de interação com a sociedade por meio de eleições (2004, p.495). Há um engajamento das forças sociais e uma divisão de poder definida pela Constituição, que uma vez dissolvida, deixaria muitos insatisfeitos.

Se Irã for impedido ou desistir de desenvolver armamento nuclear, o regime islâmico também não poderá resistir às pressões externas. A alternativa mais viável e disponível atualmente ao regime religioso para se manter no poder é o estabelecimento de suas regras e a continuidade da solidificação institucional, levando em conta as demandas da sociedade.

A maturidade do regime iraniano dependerá de um processo mais autônomo de democratização daquele que comumente ocorre no terceiro mundo. Para tanto, o ideal seria que o diálogo ocorresse entre a sociedade e o Estado sem a interferência de atores externos.

Se o que falta ao Irã são tempo e proteção em relação às intervenções externas, o desenvolvimento do programa nuclear e a possível fabricação de armas nucleares são decisivos para que o processo seja concluído. Tal dissuação somada ao crescimento da massa iraniana intelectualizada resultará em um Estado sólido e com fortes tendências à democratização e à abertura gradual e emancipada.


Referências bibliográficas

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